Num primeiro ponto de vista, pensei estar louco. Vejo clones, tanto versões femininas quanto masculinas minhas, como a Phoenix e o Zero; junto de outros com múltiplas personalidades. Sendo estes um ditador, um pastor, um cozinheiro, um cientista, um físico, um lunático, uma prostituta (ou puta para os mais íntimos), uma mendiga, uma hippie, uma comunista, uma historiadora - que, por sinal, está grávida - e uma aberração, que só possui pernas, pequeno e com um estilo de cabelo mais solto e um pouco parecido com o meu; sendo estes apenas alguns dos vários que vi e que já descrevi para você, caro leitor, - ruivinha, no caso.
Decidindo, pela comunidade, um plano que envolvesse a destruição da maior multinacional do mundo, repito, do mundo! - Que tem influência tanto política quanto econômica por se tratar de um monopólio. - A Neolinque, que está nos perseguindo para esconder as fraudes e abusos que cometeram contra os clones e a minha imagem.
Mas, quando percebi... Em um segundo ponto de vista, é claro, que o que estava contemplando se tratava do maior, se não o maior experimento geopolítico, social e científico de todos os tempos, comecei a conceber toda aquela tosquisse como uma verdadeira demonstração real de uma construção de um contrato social - prisão de Stanford está no chinelo - e se tornou meu verdadeiro momento de êxtase. Nesse instante de epifania, percebi que os clones não eram simples coincidências, mas sim peças de um elaborado quebra-cabeça social, arquitetado para desafiar as normas estabelecidas.
Veja, vamos ver o interno para depois seguirmos o externo. Deixe-me pegar aquela lista de clones anterior e contextualizar o quão atual tudo isso se torna: um ditador que não tem um povo para comandar, um pastor evangélico que adora a Deus e sequer sabe se tem uma alma para ser salvo, já que se originou de uma clonagem ao invés de um processo de reprodução humana (divino), um cientista que nem se importa com a ciência, enquanto um físico é revoltado contra a própria ciência, um cozinheiro de uma comunidade inimiga à qual ele foi sequestrado, um lunático que sequer poderia ter lugar de fala em debates como estes, uma prostituta que - desculpe pelo vocabulário - sequer pode fuder ou exercer seu cargo, sendo que a clone historiadora de psicológico definhado vai ter um filho que logicamente veio do sexo que aconteceu antes mesmo de uma "prostituta", uma comunista que jamais ouviu ou sequer leu as ideias de Marx, uma mendiga que teve seus companheiros mortos na sua frente e que mesmo assim convive na comunidade dos sádicos que os mataram, uma hippie que nem sabe o que é paz, além da Phoenix e do Zero, que nem preciso falar - longa história. - Sendo que todos estes têm uma mentalidade e visão muito mais conservadora de segurança e estado como um todo, estão influenciando toda uma nação mundial em bases bem mais arcaicas de um estruturalismo firmado em burocracias e aristocracia datadas em anos, dominaram tudo isso em apenas menos de 2 meses. - Isso que é a verdadeira representação de classes à margem da sociedade, mesmo que não exercendo seus papéis fielmente, denotando o quanto certos liberalismos, mesmo parecendo novos, só são repetições na história de classes que antes não dominavam, exercendo sua verdadeira força mesmo que disfarçados. Isso não é política, isso é a verdadeira construção da personagem que todos nós temos um pouco.
Mesmo que já tenha me acostumado a ver tais dilemas todos os dias, acho interessante ver a reação de você, Camila (a ruivinha), quando está perto dos meus clones de uma certa individualidade forte. Os quais fumam, bebem, dialogam e compartilham de uma cultura que eu completamente não compactuo, mas admiro como um todo. Contudo, nada me tira boas gargalhadas quanto quando eu vejo você estranhando a barriga da historiadora com um filho até então de um pai clone. Literalmente, dois "eus" se envolveram - e existe coisa mais narcisista e traumática que isso?
Josperd Dias 21/07/2029